Pular para o conteúdo principal

LITERATURA FEMINISTA: CRÔNICAS, (MINI)CONTOS, POEMAS, RESENHAS E MAIS!

Existe mulher machista? Gay homofóbico? Pessoa negra racista? Pessoa trans transfóbica...?


Existe mulher machista? Gay homofóbico? Lésbica lesbofóbica? Pessoa bissexual bifóbica? Pessoa assexual acefóbica? Pessoa negra racista? Pessoa trans transfóbica? Pessoa gorda gordofóbica?

Já começo afirmando um "NÃO" para todas as perguntas. Muita gente irá negar isso ferozmente, irá rejeitar essa ideia, irá dizer que conhece ou que já viu mulher chamando uma outra de puta ou que já teve um amigo negro que ria de piadas racistas, que sua mãe gorda odeia o próprio corpo, que já viu um homossexual não ''afeminado'' com discurso homofóbico direcionado às "bichas pintosas", etc.
O que essas pessoas não entendem é que REPRODUZIR um discurso opressor não torna o sujeito enunciador desse discurso automaticamente opressor enquanto indivíduo que ocupa um lugar de poder e privilégios em um sistema de opressão. 
Explico.
Machismo, homofobia, lesbofobia, bifobia, acefobia, racismo, transfobia, gordofobia... são sistemas de opressão. Não tem como uma mesma pessoa, mesmo grupo ou população ocupar os dois lugares (de opressor e de oprimide) na mesma opressão. Ou se faz parte do grupo oprimido ou se faz parte do grupo opressor em um sistema de opressão. 
Opressão só é opressão porque é estruturada a partir de relações hierárquicas ou assimétricas de poder. É tendo o poder nas relações de dominação-exploração que um indivíduo, grupo ou população é privilegiado. Isso é hegemonia: o poder que um grupo exerce sobre os demais. 
Hegemonias são mantidas mais pelo consenso que pela força. A reprodução da ideologia serve para manter a opressão, o status quo social desigual. Diante disso, a pessoa oprimida é ensinada, desde pequena, pela sociedade, a internalizar/aceitar e a reproduzir determinadas ideologias justamente porque a reprodução delas resulta em sua manutenção na sociedade. 
Todas as pessoas, independente do lugar que ocupem nos sistemas de dominação-exploração, são ensinadas a internalizar/aceitar ideologias, logo todas elas as reproduzem no discurso, porém, enquanto prática social, somente os indivíduos pertencentes aos grupos hegemônicos (grupos que detém o poder) é que se beneficiam com essa reprodução.
Logo, é opressor não só quem reproduz a ideologia, mas quem ocupa um lugar de poder e privilégios numa estrutura social de opressão. E é oprimido quem é dominado, subordinado e explorado numa opressão. 
Não tem como o opressor ocupar o lugar do oprimido no sistema que o beneficia, assim como não tem como o oprimido ocupar o lugar de seu opressor se ele não tem "direito" aos privilégios. 
Lembram daquele princípio que diz que dois corpos não ocupam o mesmo lugar ao mesmo tempo no espaço? 
Não, não vou discorrer sobre física, apenas pretendo fazer uma analogia.
Imaginem que os dois corpos se referem a dois indivíduos, um opressor e um oprimido, e que o mesmo lugar se refere ao lugar de quem detém o poder numa estrutura social de opressão.
Tem como uma mulher ser machista sendo que ela não se beneficia do machismo justamente porque não ocupa o lugar de poder dominado pelos homens/cis?
Tem como uma pessoa negra ser racista sendo que ela não se beneficia do racismo justamente porque não ocupa o lugar de poder dominado pelas pessoas brancas? 
Tem como uma pessoa trans ser transfóbica sendo que ela não se beneficia da transfobia justamente porque o lugar de poder no cis.tema é dominado por pessoas cis? 
(Insira os outros grupos oprimidos).
Reproduzir a ideologia não equivale a ocupar o lugar de poder e privilégios num sistema de dominação-exploração, logo NÃO existem mulheres machistas, gays homofóbicos, lésbicas lesbofóbicas, pessoas bissexuais bifóbicas, pessoas assexuais acefóbicas, pessoas trans transfóbicas, pessoas negras racistas, pessoas gordas gordofóbicas.
Existem: pessoas oprimidas reproduzindo discurso de opressão. Existem pessoas oprimidas dando tiros nos próprios pés. 
Existem pessoas oprimidas que foram ensinadas a serem convenientes com seus opressores para assim contribuírem para a sustentação das relações sociais assimétricas de poder. 
Existem pessoas oprimidas que precisam desconstruir ideologicamente aquilo que internalizaram.
Não é camuflando quem é oprimido e quem é opressor que se combate uma opressão.
Não é camuflando privilegiados e desfavorecidos socialmente que vamos conseguir fazer a pessoa oprimida "abrir os olhos" para a realidade opressiva que a cerca, logo mudar de comportamento.

Lizandra Souza.


Comentários

  1. como você explicaria Fernando Holiday?

    ResponderExcluir
  2. Eu simplesmente adorei seu texto. Me apoderei emprestado de vários trechos como status em rede social. Com seus devidos créditos. Parabéns.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Feminismo é a ideia radical de que mulheres são gente!

Postagens mais visitadas deste blog

Vamos falar de misandria?

 O que é misandria no feminismo?   É o ódio generalizado aos homens?   N Ã O.  A misandria geralmente é dicionarizada como sendo o ódio aos homens, sendo análoga a misoginia: ódio às mulheres. Esse registro é equivocado e legitima uma falsa simetria, pois não condiz com a realidade social sexista vivida por homens e mulheres. Não  existe uma opressão sociocultural e histórica institucionalizada que legitima a subordinação do sexo masculino, não existe a dominação-exploração estrutural dos homens pelas mulheres pelo simples fato de eles serem homens, todavia existe o patriarcado: sistema de dominação-exploração das mulheres pelos homens, que subordina o gênero feminino e legitima o ódio institucional contra o sexo feminino e tudo o que a ele é associado, como, por exemplo, a feminilidade. Um exemplo: no Nordeste é um elogio dizer para uma mulher que "ela é mais macho que muito homem", tem até letra de música famosa com essa expressão, contudo...

15 frases que assexuais não aguentam mais ouvir

1. "Assexuais existem de verdade?" Óbvio que só existem de mentira, só quem tem o direito de existir são pessoas héteros/gays/lesbs/bis/pansexuais... pensar dessa forma não é nada acefóbico. 2. "Então você é assexual... mas nunca experimentou transar pra ver se muda?" E você, já experimentou ficar sem transar para ver se "vira" assexual? 3. "Mas se você já transou... como pode se dizer assexual?" Da mesma forma que pessoas héteros/gays/lesbs/bis/pansexuais virgens não deixam de ser o que são só porque ainda não transaram. Todo mundo que ainda não transou é assexual? Não. 4. "Deve ser muito triste ou chata a vida sem sexo..." Amiguinho, nem toda pessoa assexual não pratica sexo. Existem assexuais que, por exemplo, quando estão afetivamente ligados a uma pessoa, podem sentir desejo sexual por ela, como no caso das pessoas demisexuais. Agora, conte-me mais como é legal e feliz uma vida baseada no sexo compulsór...

20 coisas que homens/cis poderiam fazer em vez de exigir lugar de fala dentro do movimento feminista

Exigir protagonismo dentro de movimentos que lutam contra opressões que os beneficiam é um comportamento típico de pessoas pertencentes a lugares privilegiados nos sistemas de dominação-exploração vigentes. A sociedade dar mais visibilidade a voz do opressor, seja quando este está ou não em processo de desconstrução também é um fato recorrente. Branco falando sobre racismo é aplaudido, negro falando sobre racismo é chamado de vitimista; homem/cis falando sobre machismo é o fodão, mulher feminista falando sobre machismo “é falta de rola”, hétero falando sobre homofobia é o desconstruído, gay falando sobre homofobia "é frescura"... Justamente por isso é necessário que dentro dos movimentos as pessoas oprimidas tenham seus lugares de fala respeitados, visibilizados, pois se não tiverem voz e visibilidade nem dentro do movimento que luta contra a opressão que sofrem, onde mais elas terão? Eu costumo dizer que lugar de homens/cis no feminismo é fora. Sim: FO-RA. ...

Homens cis mais feministas que você, mulher

Como os machos faziam para passar vergonha antes da internet é uma pergunta que há muita nos instiga. Talvez nunca tenhamos respostas claras e precisas, contudo como eles fazem para passar vergonha na internet com closes errados, closes errantes, fica cada vez mais evidente. A new order dos machos é agora se intitularem feministas, dando a entender, sobretudo, que são líderes, réis, donos do feminismo a nível regional, nacional, internacional e intergaláctico. E tudo isso na busca insaciável por biscoitos e afagos em sua masculinidade. Abaixo podemos ver que tais omis em toda sua grandeza, macheza, sapiência, eloquência, sagacidade e MASCUlosidade esqueceram a noção só lhes restando o ridículo. Tais memes servirão também para justificar o porquê de tantas feministas militantes serem contra homens/cis se intitularem feministas. 1. Quem ou o que poderia ser mais feminista que Dado Dolabella? Esse belo cortador de banana, por exemplo.  ...

Mamilos femininos e censura patriarcal: uma questão de gênero

Mulheres criam biquíni com estampa de mamilos, como forma de protesto Não pretendo, com esse post, incentivar nem obrigar as mulheres a saírem por aí mostrando os mamilos como sinônimo de liberdade sexual/corporal, tão pouco aconselhá-las a deixarem de usar sutiã, pretendo, contudo, levantar questionamentos e reflexões sobre a censura dos mamilos polêmicos vulgo femininos e desnaturalizar alguns dos discursos que a legitimam.    Por que somente na mulher os mamilos são vistos como ''órgãos sexuais" e, por isso, devem ser censurados, enquanto os machos caminham livremente na rua com seus mamilos expostos? É porque os homens não conseguiriam se controlar caso fosse dado o mesmo direito ao uso do próprio corpo às mulheres? Ou seja, é porque o homem não consegue segurar o pau dentro da calça e respeitar o corpo alheio? É porque os mamilos das mulheres passam mensagens sexuais quando eriçam? Ora, mas um mamilo pode eriçar por qualquer coisa, involuntariamente, por ...