Pular para o conteúdo principal

LITERATURA FEMINISTA: CRÔNICAS, (MINI)CONTOS, POEMAS, RESENHAS E MAIS!

Relato de uma leitora: ''Não aceitem bebidas de estranhos, não deixem as colegas de sala (bêbadas ou não) sozinhas. Se unam''

Imagem meramente ilustrativa.
RELATO DE UMA LEITORA.
AVISO DE GATILHO: ESTUPRO.

    ''Essa época de resultado de vestibular/início de aulas/trote, sempre me deixa extremamente ansiosa e preocupada. Tudo está relacionado com a primeira vez que entrei em uma universidade, então resolvi compartilhar o que aconteceu comigo e pedir a vocês que tomem MUITO cuidado com esse início de aulas. Quando eu tinha 17 anos fui aprovada na universidade estadual da minha cidade.
      A recepção foi muito divertida. As veteranas não participaram ativamente do trote, apenas os veteranos homens. Eles eram um pouco agressivos e nos deixaram desconfortáveis com perguntas relacionadas a sexo e sexualidade, que eram direcionadas apenas para as meninas (éramos quase todas menores de idade). Porém não enxergamos isso como algo problemático. Mesmo assim eu e minhas amigas fizemos questão de participar de todas as festas/ churrascos/ trotes, tudo. Nos sentíamos muito bem, apesar do constante assédio, e o ambiente nos atraía bastante. Como muitas outras meninas, nós bebemos algumas vezes, ficamos com alguns caras e nos divertimos. Até que um dia, em uma das festas, colocaram alguma coisa na minha bebida. Eu não sei exatamente o que foi e nem quem foi, mas tenho certeza que isso aconteceu porque havia ingerido uma quantidade muito pequena de álcool no dia.
       Quando a festa acabou (durou o dia todo), eu estava completamente apagada e jogada em um dos quartos de uma República. Eu não lembro como fui parar lá, mas algumas amigas me levaram para aquele quarto quando perceberam que eu não estava bem. Depois de muitas horas inconsciente eu comecei a recuperar parte dos sentidos e progressivamente me dei conta do que estava acontecendo. Tinha um cara no quarto e ele estava me despindo. Eu não conseguia me mexer e não fui capaz de ver/sentir tudo o que aconteceu, eu me lembro apenas de ficar completamente desesperada e de não ter forças para me mover ou falar. Ele me estuprou bem ali, no chão do quarto. Duas vezes. Quando eu consegui ficar em pé já era madrugada e boa parte das pessoas tinham ido embora, pedi para chamarem um táxi e fui para casa.
       Eu era muito nova, virgem, de uma família conservadora e sexista, demorei até para aceitar que eu havia sido estuprada. É difícil dizer o quanto isso me afetou, mas foi muito. Muito mesmo. Desencadeou uma depressão monstruosa. Me envolvi em muitas roubadas, relacionamentos abusivos, engravidei, desisti da faculdade, enfim... Esse ano eu vou começar outro curso, em outra cidade. Tenho certeza que não vou passar por esse tipo de trote pelo perfil dos alunos do meu curso (90% mulher). Mas fico nervosa só de pensar em todas as meninas que vão dar de cara com um ambiente extremamente nocivo e misógino. Então, manas, tomem muito cuidado e problematizem todas as “brincadeiras” que rolarem. Não aceitem bebidas de estranhos, não deixem as colegas de sala (bêbadas ou não) sozinhas. Se unam.''.

Anônima.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

História do adultério: modelos de comportamentos sexistas com dupla moral

Belmiro de Almeida - Arrufos, 1887 A história do adultério é a história da duplicidade de um modelo de comportamento social machista, possuidor de uma moral dupla, segundo a qual os homens, desde quase todas as sociedades antigas, tinham suas ligações extraconjugais toleradas, vistas como pecados veniais, sendo assim suas esposas deveriam encará-las como "pecados livres", que mereciam perdão, pois não era o adultério masculino visto como um pecado muito grave (a não ser que a amante fosse uma mulher casada), enquanto as ligações-extraconjugais femininas estavam ligadas a pecados e a delitos graves que mereciam punições, pois elas não só manchavam a honra e reputação da mulher adúltera, mas também expunham ao ridículo e ao desprezível seu marido, o qual tinha a validação de sua honra e masculinidade postas em jogo. Esse padrão social duplo do adultério teve sua origem nas culturas camponesas "juntamente com a crença de que o homem era o provedor da família e era

10 comportamentos que tiram o valor de um homem

   Hoje em dia os homens (cis, héteros) andam muito desvalorizados. Isso faz com que muitos sofram amargamente nas suas vidas, sobretudo na vida amorosa.  Outro dia eu estava vendo uns vídeos de forró, funk, sertanejo e fiquei chocada com o comportamento vulgar dos rapazes. Agora deram pra ralar até o chão como um bando de putinhos a busca de serem comidos... e a gente, mulherada, já sabe que se o boy rala o pinto no chão é porque ele é um homem rodado, um mero bilau passado.    Antigamente, no tempo de nossas avós, o homem era valorizado pelo seu pudor virginal, não pela sua aparência. Homens eram um prêmio a ser alcançado pelas mulheres, eles tinham que ser conquistados, ganhados. Hoje em dia, muitos machos estão disponíveis para qualquer mulher num estalar de dedos. Escolhe-se um macho diferente a cada esquina. E a mídia ainda insiste em dizer que homem pode dar pra quantas ele quiser, fazendo os machos assimilarem uma ideia errada e vulgar que os levarão a serem infe

Vamos falar de misandria?

 O que é misandria no feminismo?   É o ódio generalizado aos homens?   N Ã O.  A misandria geralmente é dicionarizada como sendo o ódio aos homens, sendo análoga a misoginia: ódio às mulheres. Esse registro é equivocado e legitima uma falsa simetria, pois não condiz com a realidade social sexista vivida por homens e mulheres. Não  existe uma opressão sociocultural e histórica institucionalizada que legitima a subordinação do sexo masculino, não existe a dominação-exploração estrutural dos homens pelas mulheres pelo simples fato de eles serem homens, todavia existe o patriarcado: sistema de dominação-exploração das mulheres pelos homens, que subordina o gênero feminino e legitima o ódio institucional contra o sexo feminino e tudo o que a ele é associado, como, por exemplo, a feminilidade. Um exemplo: no Nordeste é um elogio dizer para uma mulher que "ela é mais macho que muito homem", tem até letra de música famosa com essa expressão, contudo um homem ser chamado de

"We Can Do It!": você conhece a origem de um dos grandes símbolos do movimento feminista?

We Can Do It! de J. Howard Miller, 1943. We Can Do It! (Nós podemos fazer isso!) é a legenda de uma das imagens mais conhecidas do movimento feminista. Foi bastante usada a partir do início dos anos 80 do século passado para divulgar o feminismo, desde então várias releituras foram sendo feitas da imagem da moça trabalhadora, usando um lenço na cabeça,  arregaçando as mangas, mostrando um musculoso bíceps e passando a ideia de que "sim, nós mulheres podemos fazer isso!" (sendo este "isso" as atividades tradicionalmente convencionadas aos homens*) ao mesmo tempo em que  se desconstrói a ideia machista de "mulher sexo frágil". Contudo, o que muitas pessoas não sabem é que a imagem foi criada algumas décadas antes, em 1943, e que não tinha nenhuma ligação com a divulgação do feminismo. We Can Do It! originalmente foi um cartaz idealizado para ser uma propaganda de guerra dos Estados Unidos, criada  por J. Howard Miller para a fábrica Westinghouse El

Hétero-cis-normatividade, o que é?

Nossa sociedade é hétero-cis-normativa. Isso significa que a heterossexualidade e cisgeneridade são compulsoriamente impostas. Não, não estou dizendo que vocês, heterossexuais-cis, são héteros-cis por compulsão. Quero dizer que há um sistema social que designa TODO MUNDO como sendo hétero-cis ANTES MESMO do nascimento e posteriormente tudo o que foge disso é considerado anormal, imoral e, em muitas sociedades, ilegal.  Antes mesmo de a pessoa nascer, desde o ultrassom, quando é identificado que ela tem pênis ou vagina, há imediatamente uma marcação sexual e de gênero: se tem vagina, vai ter que ser menina, se comportar como é concebido e estabelecido socialmente como "comportamento de menina'' e, por isso, vai ter que gostar de menino; se tem pênis, vai ter que ser um menino, se comportar como é concebido e estabelecido socialmente como "comportamento de menino'' e, por isso, vai ter que gostar de menina. E aí, quando a pessoa com vagina ou com pênis