Feminismo, de forma genérica, é um
movimento sociopolítico que busca uma sociedade livre do patriarcado, entendido
aqui como o sistema de dominação-exploração da mulher pelo homem. Com o fim do
patriarcado, espera-se, sobretudo, que as mulheres não sofram mais com a
opressão de gênero, que as relações sociais entre homens e mulheres
não sejam tão assimétricas e que as mulheres sejam ensinadas a se empoderarem,
não a se alienaram diante de seu gênero. Todavia, apesar de
"feminismo" ser geralmente usado no singular, a ideia que ele
contempla deve ser vista no plural, pois não existe "um feminismo",
mas feminismos ou movimentos feministas, heterogêneos, plurais e com suas
próprias formas de articulação e promoção de pautas a respeito dos direitos das
mulheres, o que fica evidente com as suas mais variadas vertentes.
O feminismo interseccional (ou
intersec) é uma das vertentes do movimento feminista. Ele diz respeito as
intersecções ou recortes de opressões e vivências que devem ser feitos quando
se for analisar as estruturas sociais de dominação-exploração, assim como os
sujeitos que são atingidos (des)favorecidamente por elas. As
feministas intersecs defendem, por exemplo, o recorte de gênero, de condição de
gênero, de etnia, de classe, de orientação sexual, pois reconhece-se que as
mulheres não sofrem todas juntas as mesmas opressões e que nem sempre a mulher
está em situação de desvantagem nas relações de poder na sociedade, pois estas
não se configuram somente no sistema patriarcal tendo em vista que existem
outros sistemas de opressão que envolvem etnia, classe, sexualidade etc.
Diante disso, a interseccionalidade no
feminismo importa porque podemos ser todas mulheres e isso já nos traz algo em
comum. Anatomia? N Ã O! Leitura anatômica é cisnormativa. Nem toda mulher é
cisgênero. Me refiro ao lugar que todas nós ocupamos na opressão de gênero: o
lugar da subordinação-exploração. Nós somos subordinadas. Nós somos exploradas.
Nós somos inferiorizadas. Nós somos o grupo oprimido em contraste com o grupo
opressor-dominante no sistema hierárquico de opressão de gênero, isto é, o
grupo que por ter o poder nas relações sociais de dominação-exploração de
gênero é privilegiado NESSE sistema, que é o grupo formado pelos
homens/cisgêneros.
Toda mulher, dessa forma, independente da
condição de gênero (cisgênera ou transgênera), etnia, sexualidade, faixa
etária, peso, altura, classe social... SOFRE com o machismo, a misoginia, o
androcentrismo, o falocentrismo, pilares do patriarcado. Em algumas mulheres
isso pode ficar mais evidente que em outras, mas independente dos
condicionamentos a que estamos expostas, todas nós, de uma forma ou de outra,
sofremos com o sistema patriarcal. Porém, NEM toda mulher sofre com o racismo,
nem toda mulher sofre com o sistema social heteronormativo, o que promove a
acefobia, bifobia, lesbofobia, panfobia, entre outras opressões por
sexualidade, nem toda mulher sofre com a transfobia, nem toda mulher sofre com
a gordofobia, nem toda mulher sofre com o capacitismo, nem toda mulher sofre com
o elitismo e/ou sistema hierárquico de classes, nem toda mulher sofre
todas as opressões (ainda bem!), logo UNIVERSALIZAR vivências e colocar
"as migas" no mesmo pacote de vivência e opressão é silenciador na
medida em que não se estão reconhecendo privilégios que mulheres podem ter,
sejam de etnia, de classe, de orientação sexual.
Podemos relacionar o surgimento dessa
vertente ao fato de que historicamente o movimento feminista tem privilegiado
SOBRETUDO as pautas de mulheres (cis) brancas, heterossexuais e classe
média/alta. Mulheres negras, pobres, de periferia, não-heterossexuais,
transexuais, por exemplo, só vieram ganhar maior visibilidade ou pautas
ESPECÍFICAS a partir dos anos finais da década de 80 do século passado. O
que havia antes era uma universalização da categoria mulher, uma especie de
"somos todas iguais", um feminismo da igualdade, o que colocava toda
mulher no mesmo ''pacote de vivências e opressão'', ou seja, um grande
apagamento da luta das mulheres negras feministas, entre outras pertencentes a
alguma minoria política, por um lugar de protagonismo no movimento.
O feminismo interseccional surgiu, assim,
como um feminismo da diferença, como uma crítica e reação ao que hoje é
conhecido como ''feminismo branco'', movimento feminista que tem como ênfase as
experiências das mulheres brancas e burguesas. Por isso que se atribui dentro
do movimento feminista a origem do feminismo interseccional à luta das mulheres
negras durante a transição da segunda onda do movimento feminista para a terceira
(anos finais da década de oitenta e início da década de noventa do século XX),
quando elas ganharam mais visibilidade e suas pautas específicas começaram a
ser mais impulsionadas nas bandeiras do movimento feminista.
É, contudo, somente a partir dos anos de
1990 que o intersec se desenvolve plenamente como vertente e passa a
impulsionar com maior vigor a micropolítica, aqui entendida como as políticas,
pautas e ativismos voltados para cada grupo específico de mulheres, pois,
a partir das reivindicações das mulheres negras, ficou-se evidente
que a socialização NÃO ocorre de forma igual para todas as mulheres. Mulheres
negras são socializadas de modo diferente das brancas, pois não só o machismo
as condicionam a serem oprimidas, mas o racismo (e em geral o sistema de
classe, pois quem ocupa as posições mais desprivilegiadas na sociedade são as
pessoas negras, sobretudo as mulheres). Dessa forma, as mulheres negras
têm suas especificidades por causa da opressão racial.
A mesma lógica de socialização díspar
entre brancas e negras foi usada para mulheres héteros, lésbicas,
bissexuais... pobres e ricas... Até contemplar em recortes de condição de
gênero no que se refere a transgeneridade, para contemplar as mulheres trans
tendo em vista que elas SÃO MULHERES e que sua socialização não ocorre de forma
semelhante a socialização masculina, pois não há privilégio em pertencer a um
grupo marginalizado socialmente só por pertencer e reivindicar um gênero
oposto ao do nascimento. Mulheres trans não são socializadas como opressoras,
mas como oprimidas. Relatos de meninas trans agredidas, humilhadas, espancadas,
expulsas de casa ainda na adolescência para viverem da prostituição é o que não
faltam. Se isso não é sofrer violência doméstica e de gênero, EU NÃO SEI O QUE
É.
Portanto, o feminismo interseccional é
para todas as mulheres, ele não segrega, ele não exclui, ele contempla todas,
sejam cis ou trans, magras ou gordas, brancas, negras, indígenas, entre outras,
pobres ou ricas, com ou sem deficiência... É um feminismo que reconhece que as
mulheres não estão todas dentro do mesmo sistema de opressão, pois este NÃO É
UM SÓ. Eu dei ênfase ao público feminino por esse constituir a origem
dos feminismos, todavia um fato interessante dessa vertente feminista é que ela
não contempla só as mulheres, mas também homens transexuais e pessoas não
binárias (nbs), os quais também têm seus espaços, obviamente específicos,
dentro da causa, pela concepção de que há socialmente uma normatização da
perspectiva cisgênera de gênero, o que causa não só a transfobia que mulheres
trans sofrem, mas também a que esses outros dois grupos enfrentam
cotidianamente.
Lizandra Souza.
Olá Lizandra, meu nome é Gabriela, gostaria de entrar em contato com você por email ou WhatsApp, para falar sobre um projeto para o empoderamento feminino. Meu email é gabicorreapereira@gmail.com, abraços.
ResponderExcluirOlá, segue o email de contato do blogue:
Excluirdiariosdeumafeministacontato@gmail.com
Melhor texto sobre o tema!
ResponderExcluirmuito esclarecedor!
ResponderExcluirmuito obrigada por compartilhar teu conhecimento!! amei o texto, esclareceu muita coisa
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