Todos podemos falar sobre os direitos das minorias políticas: os limites entre protagonismo e lugar de fala
"Sou homem (cis), posso falar de machismo? Posso defender as mulheres?''
"Sou branca, posso falar de racismo? Defender as pessoas negras?"
"Sou hétero-cis, posso falar de LGBTfóbia? Defender LGBTs?''
Toda vez que tiver dúvida, por receio de
estar ''silenciando'' alguém, se você deve ou não falar sobre algo, lembre-se
daquela ''perguntinha chave'' da sociolinguística: quem diz o que, a quem,
como, quando, onde e com que intensão comunicativa. Silenciamento, "roubo
de protagonismo", "lugar de fala", são termos relativos que se
constituem dentro da situação de comunicação. Não devem ser usados a torto e a
direito como escudo de divergências ou como fala absoluta, única e universal.
Não defendo a ideia de que somente o
oprimido de uma opressão pode falar sobre ela. Não apoio a ideia do "sem
vivência, sem opinião" de forma generalizada. É problemático isso ser
assumido de forma normativa. Primeiro, nem toda pessoa oprimida tem consciência
de problematização da própria opressão, mulheres que reproduzem machismo,
negros que reproduzem racismo, LGBTs que reproduzem LGBTfóbia são alguns
exemplos desse fato. Segundo, existem pessoas que, por serem privilegiadas em
relações sociais de poder, podem ser consideradas opressoras em potencial, em
potencial porque apesar de deterem o poder nas relações e, por isso, serem
beneficiadas por elas, supostamente buscam desconstrução, como os homens que se
dizem "pró-feministas", os brancos que se aliam ao movimento negro,
os héteros-cis que alegam apoiar a causa LGBT, entre outros. Essas pessoas não
só podem, como devem se posicionar, pois não existe neutralidade: ou você se
posiciona ou você sustenta o status quo.
O que tem que ser pautado é o ''como,
quando, onde, para quem e por qual razão'' essas pessoas-privilegiadas falam.
Como: de que forma elas se posicionam contra algo que não sofrem. Quando: o
momento em que falam. Onde: o lugar ou situação de comunicação. Para quem: quem
são os seus interlocutores, para quem elas falam, para alguém que conhece a
causa ou para quem tem desconhecimento? Por qual razão: falam para desconstruir
alguém ou para impor opinião? Exemplo, machos que dizem apoiar o feminismo,
devem falar de feminismo, ou melhor, de machismo, de privilégios masculinos, de
atitudes misóginas NÃO para as feministas, mas para os familiares, sobretudo os
masculinos, para os amigos, para os colegas de trabalho, de faculdade etc.
Devem falar em espaços que eles já lideram culturalmente com o objetivo de
tornar esses espaços empáticos ao feminismo. NÃO devem ficar chorando na
internet carteirinha de feminista, nem biscoito. Muito menos desejarem pautar o
movimento e decidirem que mulher é "feminista de verdade", aprovada
por eles, e que mulher é "feminista de mentira", por não apoiar as
babaquices deles.
Lugar de fala não é fala absoluta/única. É
com o diálogo, não monólogo, que a gente pode ajudar a conscientizar as pessoas
e cada vez mais ir contribuindo para que haja a transformação
social. Lugar de fala é sobre visibilidade política a quem estruturalmente
sofre com determinada opressão em um espaço determinado pela interação entre os
sujeitos do discurso. A visibilidade deve ser dada aos protagonistas da luta, o
que não significa que secundariamente os aliados não possam participar e
dialogar.
Por que a visibilidade é política e o
espaço é determinado? Porque não basta ter vivência, o discurso também tem que
estar condizente com a estrutura social. Nem sempre um indivíduo oprimido terá
lugar de fala, apesar de ter vivência, sabem porquê? Porque existem sujeitos
alienados pelo sistema, sujeitos dominados pela ideologia dominante, que só
enxergam o próprio umbigo. Reformulando um exemplo dado anteriormente, existem
mulheres contra o feminismo, negros contra o movimento negro, gays/cis tidos
como ''não afeminados" contra os gays afeminados (vice-versa) etc. A voz
dessas pessoas não tem legitimidade política nos movimentos de
contra-hegemonias já que estas pessoas são cúmplices do opressor. Dessa forma,
não basta ter vivência, até porque esta não é universal. Tem que ter bom senso
também.
Lizandra Souza.
EXCELENTE REFLEXÃO!
ResponderExcluirDEVERIA VIRAR UM ARTIGO.