"O bom de ser mulher assexual é estar isenta de relacionamento abusivo".
"O bom de ser mulher assexual é estar
isenta de relacionamento abusivo". É mesmo? Tenho certeza de que a pessoa
que diz uma frase dessas desconhece ou ignora a realidade das mulheres
assexuais. Ser mulher assexual, numa sociedade que trata o sexo, a sexualidade
e os relacionamentos afetivos/amorosos de forma compulsória,
normatizada/universalizada e banalizada, é estar a todo momento sendo
"empurrada" a se relacionar com alguém, independente das suas
vontades e do seu bem-estar.
Por mais que lésbicas e gays sejam
invisibilizados e deslegitimados (e não me refiro aqui a opressão materializada
na agressão física, mas simbólica), pois a sociedade é hétero-normativa, ainda
assim, diante de pessoas assexuais, eles têm mais visibilidade, pois, pelo
menos, em geral, eles existem. Sim EXISTEM. Pansexuais e bissexuais, apesar de
terem menos visibilidade que gays e lésbicas, ainda em comparação com
assexuais, têm sua existência mais visível/legitimada. Com os avanços nos
estudos da sexualidade humana, cada vez mais nós podemos ter contato com textos
que legitimam relacionamentos com pessoas do mesmo gênero (gays e lésbicas se
relacionam com pessoas do mesmo gênero, bi e pans podem se relacionar com
pessoas do mesmo gênero, pessoas assexuais podem se relacionar com outras do
mesmo gênero, apesar de não se ouvir falar muito nessa possibilidade, afinal,
''se a pessoa se relaciona com outra do mesmo gênero tem que ser
necessariamente homossexual'') a medida que essa mentalidade se torna mais
aceita socialmente. Ainda há muito a se alcançar, é óbvio, sobretudo em
direitos, porém o avanço já foi impulsionado, sobretudo pelo movimento LGBT+.
Já adianto que não estou propondo um
"cronômetro" de visibilidade, porém para se entender a opressão que
assexuais sofrem, e nesse post, me focarei nas mulheres assexuais, é preciso
entender que a sociedade não só normatiza a heterossexualidade, mas também o
sexo e os relacionamentos afetivos. Logo, se a mentalidade social deslegitima e
oprime pessoas não-héteros, como gays, lésbicas, bissexuais, pansexuais e
assexuais, a sociedade também estigmatiza quem diz não gostar (ou não gostar
frequentemente) de sexo (seja sexo hétero ou não-hétero) ou que não quer estar
em relacionamentos, pois ainda é difícil nessa compulsão que se cria em tornos
da busca de relacionamentos, entender alguém que diga que não quer se
relacionar com alguém, independente do gênero da pessoa.
"A mulher que não namora ou que não tem relacionamento com alguém de alguma forma fracassou na vida'' |
A mentalidade de que "a mulher que
não namora ou que não tem relacionamento com alguém de alguma forma fracassou
na vida'', contribui para que mulheres assexuais (e mesmo as não-assexuais)
vivenciem relacionamentos abusivos, a medida que muitas delas se relacionam com
alguém mesmo não tendo vontade, para, assim, não serem julgadas como
"fracassadas", "solteironas", "mal amadas", por
estarem solteiras.
Esse discurso deslegitima diretamente as
mulheres assexuais arromânticas (aces aro), isto é, aquelas mulheres que
geralmente (ou na maior parte da vida) não sentem atração sexual nem
sentimental/afetiva por ninguém, logo não desejam se relacionar, namorar,
transar... Mas essa condição é tão invisibilizada socialmente, que quando uma
mulher ace a assume, ela logo escuta que "precisa de tratamento",
pois associam essa orientação sexual a falta de libido, disfunção hormonal,
patologia etc., que "é lésbica enrustida, logo deve sair do armário e não
ficar se reprimindo", pois se a mulher não se envolve com homens, para a
massa social, ela provavelmente é lésbica, ou, ainda, "você está se
fazendo de difícil, santa, puritana", pois é ''impossível'' você não
querer se relacionar com alguém, você só poder ter "algum problema",
logo ''precisa de ajuda''.
Diante disso, as mulheres aces se veem em
volta de discursos deslegitimadores, machistas, abusivos, patologizadores,
através dos quais veicula-se a imagem de mulheres "frias", "mal
amadas", "traumatizadas com os homens'', "enrustidas", ou,
ainda, passa-se uma imagem romantizada de rótulos machistas que as mulheres, em
geral, estão sujeitas, tais como, "santinhas", "castas/para
casar", "puritana" etc. Muitas mulheres assexuais, as quais
na maioria das vezes nem sabem que são assexuais, mantém relacionamentos com
outras pessoas, sobretudo com homens (por causa da heteronormatividade), pois
acham que têm obrigação de cumprir esse "destino" criado socialmente.
Muitas fazem sexo sem gostar, consentem, mas não sentem prazer, porém acham que
"devem sexo" ao seu parceiro. E não, não devem porra nenhuma.
A violência (acefobia) não é praticada só
a nível simbólico, de discurso, pois assim como as lésbicas, as assexuais
também estão sujeitas a sofrerem "estupros corretivos" para
"aprenderem a gostar de homens", para serem "mulheres de
verdade''. Dessa forma, muitas mulheres aces se veem obrigadas, para serem vistas como
"mulheres normais", e assim não sofrerem tanta pressão
social/heteronormativa, a se relacionar com homens, mesmo não gostando.
Até esse momento do texto me referi,
sobretudo, às mulheres assexuais arromânticas, ou seja, aquelas que mesmo não
se interessando em manter relacionamento com ninguém, nem de forma afetiva, nem
sexual, ainda estão sujeitas a sofrerem relacionamentos e/ou relações abusivas,
porém quero também mencionar que dentro do espectro da assexualidade existem
outras ramificações, além da assexual, dessa forma existem mulheres demisexuais
(que podem sentir atração sexual ou vontade de fazer sexo, mas se antes tiverem
um vínculo afetivo/emocional com a pessoa), mulheres gray-sexuais (que podem
sentir atração sexual, porém de forma rara ou circunstancial) e mulheres
assexuais de espectro fluído (que variam de ramificações ao longo da vida, de
acordo com suas experiências/vivências). Logo, tais mulheres não estão,
infelizmente, isentas de sofrerem com relacionamentos abusivos. Não estão
isentas de estarem em relacionamentos que lhes façam mal, seja porque a
sociedade diz a todo momento que ''a mulher precisa de um homem ao seu lado'',
logo sendo este um discurso que deslegitima lésbicas, aces, bis, pans... ou que
"toda pessoa precisa de outra", "todo mundo tem seu chinelo
velho", do caralho, sendo esse, em específico, um discurso que fere
pessoas assexuais arromânticas.
Diante desse quadro, mulheres assexuais
têm sua sexualidade deslegitimada, invisibilizada e patologizada, assim como
ocorre com as outras mulheres não-héteros, porém, para piorar a situação, ainda
têm que lidar com o discurso que nega sua existência legítima, que invisibiliza
o fato de que existem mulheres que são (ou podem ser) felizes sem se relacionar
sexualmente/amorosamente com alguém, sendo isso resultado de uma sociedade que
trata de forma compulsória as relações sexuais e afetivas entre as pessoas.
Assim sendo, essas mulheres precisam que o feminismo e o movimento LGBT+ (sendo
este ''+'' não só um símbolo bonitinho, mas agregador de outras orientações
sexuais) levantem bandeiras, criem pautas que acolham e visibilizem as
assexuais, pois elas existem e resistem!
Lizandra Souza.
Eu simplesmente amo esse texto,pois a cada ataque verbal que eu sofro e creio que a maior parte de nós,mulheres ace aro,procuro me aprofundar e ler mais sobre a assexualidade.Além disso,foi assim que me descobri,pois não me encaixava em nenhuma das orientações sexuais mais visíveis pela sociedade (heterossexual,homo,bi e etc.).Se vc não for um/a/e heterossexual/cis, com certeza irá sofrer alguma agressão (verbal, física,psicólogica,entre outras).Precisa.o de visibilidade dentro do movimento feminista intersec e tbm do LGBT+, não para sermos mais uma letra bonitinha,mas sim para não sermos julgadas,ditas como anormais,que isso é passageiro,que vc está estressada assim,devido ao fato que precisa arrumar um namorado,que vc deve ser muito frustada por nunca ter namorad.Enfim,as pessoas à nossa volta quer saber mais da nossa orientação sexual/romântica mais do que vc mesma/e/o. É muito chato ter que ficar dando explicações para as pessoas,principalmente para aquelas que vc nem tem algum tipo de intimidade,piora quando é alguém da sua família ou amigo/a/es,ficam te perguntando porque vc não namora,cadê os namoradinhos,fala que deve ser lésbica e não quer assumir,entre outros. Nós (r)existimos!!!! E vamos à luta,vamos tirar a nossa invisibilidade,para que nos tratem com respeito.!
ResponderExcluirQueria que você escrevesse mais sobre o/a/es ace aro,seria muito interessante.
Obrigada pelo comentário!Tentarei escrever mais sobre assexualidade e postar aqui, em geral posto mais sobre aces na página do FB e na minha conta/perfil pessoal lá, estarei atualizando esse assunto aqui em breve.
ExcluirEu vejo a supervalorização do sexo sendo propagada em toda a sociedade e mídia e inclusive em grupos feministas, especialmente na vertente liberal. Ignoram a exposição e violencia sexual e emocional que uma mulher pode sofrer em se envolver sexualmente educada sob uma perspectiva sexual irreal, independente se é monogamico ou poligamico.
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