Pular para o conteúdo principal

LITERATURA FEMINISTA: CRÔNICAS, (MINI)CONTOS, POEMAS, RESENHAS E MAIS!

Mamilos femininos e censura patriarcal: uma questão de gênero

Mulheres criam biquíni com estampa de mamilos, como forma de protesto

Não pretendo, com esse post, incentivar nem obrigar as mulheres a saírem por aí mostrando os mamilos como sinônimo de liberdade sexual/corporal, tão pouco aconselhá-las a deixarem de usar sutiã, pretendo, contudo, levantar questionamentos e reflexões sobre a censura dos mamilos polêmicos vulgo femininos e desnaturalizar alguns dos discursos que a legitimam.   

Por que somente na mulher os mamilos são vistos como ''órgãos sexuais" e, por isso, devem ser censurados, enquanto os machos caminham livremente na rua com seus mamilos expostos? É porque os homens não conseguiriam se controlar caso fosse dado o mesmo direito ao uso do próprio corpo às mulheres? Ou seja, é porque o homem não consegue segurar o pau dentro da calça e respeitar o corpo alheio? É porque os mamilos das mulheres passam mensagens sexuais quando eriçam? Ora, mas um mamilo pode eriçar por qualquer coisa, involuntariamente, por contato com determinados tecidos, por fricção com a roupa, por a mulher estar num ambiente frio, por um espirro... E os mamilos dos machos, não eriçam? Ah, mas ''homem é homem''?... isso não é argumento nem aqui nem na China. Não passa de um discurso machista para naturalizar a disparidade de gênero no que se refere ao tratamento entre homens e mulheres na sociedade.
Mamilos/seios não são órgãos sexuais. Órgão sexual é a vagina, em especial o clitóris, assim como o pênis. Até o cu, em linguagem popular, pode ser considerado órgão sexual já que é usado em relações sexuais, sobretudo as homoafetivas. E não nos esqueçamos que anatomia como toda ciência tem uma história, se inscreve no tempo e no espaço e não está isenta de ideologias, estas podendo ou não sustentar relações de poder. Basta lembrarmo-nos que anatomia (leitura anatômica dos sujeitos) já foi usada para legitimar relações assimétricas de poder entre homens e mulheres desde séculos passados, através do culto ao falo. 
A dicotomia entre mamilo feminino x mamilo masculino e como a sociedade lê e encara os peitos na mulher e os peitos no homem diz muito sobre hiperssexualização e objetificação feminina e a cultura sexista, pois se constituem amplamente de censura patriarcal que visa regular, monitorar e coagir a expressão do corpo feminino voltado a vontade e liberdade da mulher. 

Maria Bethânia: fotos censuradas no Instagram
Os seios da mulher não são ofensivos nas propagandas de cerveja ou quando são usados para vender carros, roupas, cosméticos etc. Os mamilos femininos que aparecem em todo episódio de Game of Thrones também não chocam. A publicidade usa e abusa do corpo da mulher, e uma das partes do corpo mais hiperssexualizada são os seios. As pessoas compram isso e não se questionam sobre tal, é naturalizado. Agora, imagine uma mulher amamentando seu filho em público... que vulgar, falta de pudor, não podia fazer isso num banheiro? Isso mesmo, sugerem que a mãe dê de mamar (alimente seu bebê) em um banheiro, cheio de bactérias e tals, porque aqueles peitos ali não estão sendo usados para agradar machos, apenas isso. 


Cena de "Game of Thrones" com Daenerys Targaryen (Emilia Clarke)
O corpo da mulher torna-se ofensivo quando não é usado ao bel prazer masculino, outro exemplo disso está relacionado com o fato das mulheres serem condicionadas a usarem sutiãs desde cedo. Muitas vezes a menina ainda nem tem vestígio de seio e já tem seu primeiro contato com o próprio sutiã. Sobre o uso desse e o discurso popular de necessidade para manter os seios firmes, para a saúde da mama etc... ainda não se sabe, científica e fidedignamente se o uso do sutiã é ou não essencial para manter os seios mais firmes. Contudo, uma pesquisa recente, amparada num estudo de 15 anos de Denis Rouillon, médico e professor de medicina esportiva da Universidade Franche-Comte, na França, aponta que não usar sutiã é uma boa escolha, pelo menos para algumas mulheres, pois foi constatado (entre as mulheres que participaram do estudo) que o mamilo volta a subir a uma média de sete milímetros por ano quando não se usa sutiã, você pode ler a matéria no site da BBC Brasil.
Mas o que de fato quero apontar com isso? Nos lembremos do carnaval. Possivelmente uma das primeiras imagens que aparecem na nossa imaginação é a de uma mulher seminua, provavelmente mostrando os seios livremente com muita purpurina. O corpo feminino nu é glamourizado e hiperssexualizado sobretudo em tempos de carnaval, sabem por quê? Porque isso gera lucro, porque vende, porque agrada a um determinado público consumidor: homens heterossexuais (e os que se relacionam com mulheres, como bissexuais, pansexuais etc). 


Andressa Urach
No carnaval a mulher pode optar por não usar sutiã normalmente, agora se no dia-a-dia, pós-carnaval, ela optar não usar essa peça é uma deusa-nos-acuda! Fim dos tempos! Apocalipse! Afinal, ela optou não usar porque quis, e o querer da mulher não tem vez numa sociedade que hiperssexualiza e objetifica seu corpo como objeto de compra e venda. 
Tudo isso que problematizei até agora não invalida que durante o sexo você, mulher, não possa sentir prazer a partir da exploração dos mamilos/seios, mas isso não é requisito para ter tornado os seios na mulher algo tão censurável e estritamente sexual, sendo que é uma ideia que prejudica mulheres que amamentam por serem censuradas se isso for feito em público assim como as mulheres que se dão o direito de não usarem sutiã e não camuflarem os próprios seios, como já mencionei.
Existem pessoas que sentem ''prazer sexual'' com exploração nas orelhas, isso as tornam órgãos sexuais? Temos que censurar nossas orelhas? Tem gente com fetiche em barriga, isso a torna um órgão sexual? E quem adora um pé, está vendo o pé como órgão sexual ou apenas objeto de desejo? Se é para sexualizar algo, que seja o clitóris, este sim é um órgão exclusivamente sexual. E, ao contrário do que a mentalidade popular pensa, na mulher (cisgênero) o equivalente ao pênis no homem é o clitóris, não a vagina. 


Clitóris em escultura :A escultura Adamas, de Sophie Wallace


Lizandra Souza.

Comentários

  1. Muito bom o texto, parabéns! Agora indo um pouco além do abordado, entrei há pouco tempo no feminismo e tem muitas coisas que ainda não entendo... Eu meio que encontro uma contradição quando penso sobre a hipersexualização do corpo da mulher e sobre a valorização da sua sensualidade, por exemplo, a Kim Kardashian e tantas outras modelos que fazem comerciais nuas ou de lingerie, elas estão sendo hipersexualizadas ou apenas valorizando sua sensualidade e sexualidade? Porque algumas mulheres preferem mostrar o corpo, outras não, até onde vai a exploração e venda da imagem da mulher e até onde vai apreciação de seu corpo? Espero que tenha ficado claro a minha dúvida e aguardo resposta :) obrigada pelos incríveis textos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá! A problematização é flexível, depende muito do contexto e da forma como a nudez feminina é abordada, se como um tabu, se pra vender um produto destinado ao público masculino ou se pra desconstruir censura acerca do corpo feminino.

      Excluir
  2. sou homem mas achei o texto e a abordagem do assunto excelente!

    ResponderExcluir
  3. Texto magnífico!!!!! (Uma dúvida, sou feminista, mas por ser homem, seria eu feminista ou feministo?)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pró-feminista é o termo mais adequado pra quem é homem e apoia o movimento.

      Exceção para homens transexuais, pois eles sim podem usar o termo feminista.

      FeministO é um termo usado para zoar homens que se intitulam feministas, ou seja, que querem protagonizar o mov.

      Excluir
    2. na verdade tu n é feminista não viu?

      Excluir
  4. http://www.naomekahlo.com/single-post/2015/07/20/Homens-podem-ser-feministas
    Nesse link há um texto que pode te ajudar a esclarecer sobre o assunto ;)

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Feminismo é a ideia radical de que mulheres são gente!

Postagens mais visitadas deste blog

Vamos falar de misandria?

 O que é misandria no feminismo?   É o ódio generalizado aos homens?   N Ã O.  A misandria geralmente é dicionarizada como sendo o ódio aos homens, sendo análoga a misoginia: ódio às mulheres. Esse registro é equivocado e legitima uma falsa simetria, pois não condiz com a realidade social sexista vivida por homens e mulheres. Não  existe uma opressão sociocultural e histórica institucionalizada que legitima a subordinação do sexo masculino, não existe a dominação-exploração estrutural dos homens pelas mulheres pelo simples fato de eles serem homens, todavia existe o patriarcado: sistema de dominação-exploração das mulheres pelos homens, que subordina o gênero feminino e legitima o ódio institucional contra o sexo feminino e tudo o que a ele é associado, como, por exemplo, a feminilidade. Um exemplo: no Nordeste é um elogio dizer para uma mulher que "ela é mais macho que muito homem", tem até letra de música famosa com essa expressão, contudo...

Glossário de termos usados na militância feminista (atual)

Já participou daquele(s) debate(s) feminista(s) e vez ou outra leu/ouviu uma palavra ou expressão e não soube o significado? E cada vez mais, em debates, você passou a ler/ouvir aquela(s) palavra(s)? E o tempo foi passando e mais termos e expressões foram surgindo? E o pior, você pesquisou no Google o significado e não achou? E as palavras, muitas vezes, não existiam nos dicionários formais? Se você respondeu sim, em pelo menos duas perguntas, aconselho conferir o glossário virtual a seguir, no qual pretendo expor e explicar brevemente alguns dos termos e expressões mais usados no meio do ativismo, em especial o virtual. Além dos vários termos e expressões que são usados há décadas nos meios feministas, nós temos também muitos termos e expressões usados atualmente na militância feminista que são fenômenos advindos dos estudos contemporâneos de gênero, outros, ainda, são resultantes da própria necessidade de ressignificação que determinadas pa...

A escrita como subversão e denúncia social em Quarto de despejo de Carolina de Jesus

"A favela é o quarto de despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos" - Carolina Maria de Jesus Quarto de Despejo : diário de uma favelada, é um livro em forma de diário, escrito por Carolina Maria de Jesus (1915-1977), mulher negra, pobre, sem muita escolaridade, catadora de papel e lixo, solteira e mãe de três filhos, à época da escrita, moradora da antiga favela do Canindé, em São Paulo. Em seu diário, que se inicia no ano de 1955 e termina no ano de 1960, Carolina registrou seu cotidiano pobre e humilde, assim como o das pessoas a sua volta, as necessidades, carências e desmazelos que sofriam, advindos do descaso do poder público, os conflitos entre os moradores da favela, a miséria que os cercavam, além de apontar para fatos importantes da vida sócio-política do Brasil daquela época, como a negligência política com a população menos favorecida socioeconomicamente.  Não há como desvincular a obra com a vida de Carolina, pois ambas se relacionam dev...

Pornografia de vingança é violência de gênero!

  Depois do fim de um relacionamento, o homem, inconformado, decide se vingar de sua ex-companheira, divulgando na internet fotos e vídeos íntimos dos dois, feitos em momentos de intimidade, quando eles ainda estavam juntos e o sentimento de paixão e confiança era recíproco. Tudo isso para desmoralizar a mulher, expô-la a julgamentos morais e marcá-la para o resto de sua vida, pois ele sabe que a sociedade é machista e misógina e que toda censura e culpa caíra sobre a mulher: a vítima. Afinal, ele é homem, homem pode transar, homem pode mostrar seu corpo, o genital do homem não é censurado e objetificado como propriedade feminina, o corpo do homem é livre, o da mulher não.   A sociedade pune cruelmente a mulher que confiou em seu ex-parceiro por ELE expô-la na internet e agredi-la - no mínimo moral e psicologicamente. E tudo isso porque ela, mulher, CONFIOU nele e aceitou fazer um vídeo ou foto do ato sexual deles ou, ainda, enviou para ele os famosos nudes... nudes...

História do adultério: modelos de comportamentos sexistas com dupla moral

Belmiro de Almeida - Arrufos, 1887 A história do adultério é a história da duplicidade de um modelo de comportamento social machista, possuidor de uma moral dupla, segundo a qual os homens, desde quase todas as sociedades antigas, tinham suas ligações extraconjugais toleradas, vistas como pecados veniais, sendo assim suas esposas deveriam encará-las como "pecados livres", que mereciam perdão, pois não era o adultério masculino visto como um pecado muito grave (a não ser que a amante fosse uma mulher casada), enquanto as ligações-extraconjugais femininas estavam ligadas a pecados e a delitos graves que mereciam punições, pois elas não só manchavam a honra e reputação da mulher adúltera, mas também expunham ao ridículo e ao desprezível seu marido, o qual tinha a validação de sua honra e masculinidade postas em jogo. Esse padrão social duplo do adultério teve sua origem nas culturas camponesas "juntamente com a crença de que o homem era o provedor da família e era ...