Pular para o conteúdo principal

LITERATURA FEMINISTA: CRÔNICAS, (MINI)CONTOS, POEMAS, RESENHAS E MAIS!

Brancos de turbante: racismo e apropriação cultural capitalista


Imaginem a seguinte situação... 
Uma moça branca com câncer inventa uma fanfic em que uma mulher negra desconhecida a para no meio da rua e começa a problematizar seu uso de turbante. Enredo digno de Malhação. Ela, mesmo constrangida, dá uma resposta "lacradora" para a mulher negra problematizadora e recebe apoio de geral. A internet se mobiliza, parte acredita na fanfic da branca, outra parte não. Uma pauta do movimento negro é banalizada (apropriação cultural) em discussões rasas acerca da ideia de brancos usarem ou não turbantes e a branquitude se revolta e faz campanha para usar em paz adereços da cultura negra. "Vai ter branca de turbante sim": a resposta das mulheres brancas quando são confrontadas com a problemática da apropriação cultural só mostra o racismo nosso de cada dia. Quem dera os brancos comprassem briga contra o racismo como compram para usar um turbante na cabeça...
Uma coisa é uma mulher branca por desconhecimento, ignorância ou influência da indústria capitalista da moda usar acessórios ou objetos da cultura negra* sem saber que ao usá-los ela está desagradando uma parte dessa população que acredita que é banalização de seus símbolos religiosos e de resistência tão marginalizados quando são usados por negros, mas quando por brancos se transformam em material cult. NINGUÉM NASCE SABENDO! Outra coisa bem diferente é branca mimada acostumada a usar o que quer, a ser bem-vista com qualquer estilo de cabelo, maquiagem, acessórios... ficar debochando de mulheres negras que problematizam a apropriação cultural feita pela indústria capitalista e as disparidades sociais de tratamento entre brancos e negros consumidores da cultura negra. 
NINGUÉM VAI IMPEDIR BRANCA de usar o que quer e gosta. Parem com essas perguntas chatas e sonsas de ''sou branca, não posso usar isso?'', como se tivesse alguém impedindo! Ora, desde quando uma mulher branca é impedida de usar algo que ela queira só pela sua cor de pele...? Maquiagem, cores de roupa, acessórios, estilo de cabelo, etc, sempre foi bem-visto em gente branca. 
O maior problema nem é o uso por si só, por mais que haja a ressignificação e banalização feita pela apropriação capitalista, cultura nenhuma é homogênea e estável, de uma forma ou de outra ela vai ser apropriada e internalizada pelos atores sociais... não é o uso ou não uso do turbante por gente branca, por exemplo, que vai desestabilizar a dominação da branquite em sociedade! O problema maior consiste nas assimetrias de comportamentos e leituras sociais dos indivíduos que (re)produzem essas culturas, conferindo aos sujeitos historicamente desprivilegiados nas relações de dominação um lugar de marginalização cultural, como ocorre com a população negra, indígena e/ou não-branca. Por exemplo, nas mulheres negras, o turbante é marginalizado, é motivo de piada racista, de exclusão social, de preterimento em vaga de emprego, etc, enquanto nas mulheres brancas o mesmo acessório é visto como algo estiloso, legal... Então, antes de usar ou não turbante, use sempre a empatia!

*O tipo de turbante varia de acordo com o formato do nó que é dado no laço e na estética que fica sustentada na cabeça, por isso turbantes da cultura afro usados em rituais religiosos, por exemplo, não devem ser confundidos com os turbantes árabes, turcos etc.

Lizandra Souza.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Misoginia institucionalizada: a repulsa social pelo gênero feminino

Já imaginaram que louco seria se as pessoas sentissem nojo, repulsa e/ou desprezo contra assassinos, estupradores e espancadores de mulheres como têm nojo, repulsa e/ou desprezo por pelos no corpo da mulher, sangue de menstruação, mamilos femininos em evidência...??? A misoginia é o ódio institucionalizado contra a mulher. É institucionalizado porque há um aparato social normativo que constitui e regula práticas sociais de ódio e violência contra o gênero feminino e tudo o que a ele é relacionado. A sociedade é tão misógina que se indigna mais com uma mulher peluda que com o caso de uma mulher estuprada. Por que nossos pelos ofendem tanto? Por que nosso sangue, algo natural, ainda é tão estigmatizado? Por que simples mamilos causam um alvoroço? Por que estrias são motivos de zombaria? Por que não nos deixam (não) usar maquiagem em paz? Por que nos regulam e nos limitam em seus moldes machistas e misóginos? Para nos subordinar! Para nos ponderar! Para nos oprimir e manter...

Glossário de termos usados na militância feminista (atual)

Já participou daquele(s) debate(s) feminista(s) e vez ou outra leu/ouviu uma palavra ou expressão e não soube o significado? E cada vez mais, em debates, você passou a ler/ouvir aquela(s) palavra(s)? E o tempo foi passando e mais termos e expressões foram surgindo? E o pior, você pesquisou no Google o significado e não achou? E as palavras, muitas vezes, não existiam nos dicionários formais? Se você respondeu sim, em pelo menos duas perguntas, aconselho conferir o glossário virtual a seguir, no qual pretendo expor e explicar brevemente alguns dos termos e expressões mais usados no meio do ativismo, em especial o virtual. Além dos vários termos e expressões que são usados há décadas nos meios feministas, nós temos também muitos termos e expressões usados atualmente na militância feminista que são fenômenos advindos dos estudos contemporâneos de gênero, outros, ainda, são resultantes da própria necessidade de ressignificação que determinadas pa...

Vamos falar de misandria?

 O que é misandria no feminismo?   É o ódio generalizado aos homens?   N Ã O.  A misandria geralmente é dicionarizada como sendo o ódio aos homens, sendo análoga a misoginia: ódio às mulheres. Esse registro é equivocado e legitima uma falsa simetria, pois não condiz com a realidade social sexista vivida por homens e mulheres. Não  existe uma opressão sociocultural e histórica institucionalizada que legitima a subordinação do sexo masculino, não existe a dominação-exploração estrutural dos homens pelas mulheres pelo simples fato de eles serem homens, todavia existe o patriarcado: sistema de dominação-exploração das mulheres pelos homens, que subordina o gênero feminino e legitima o ódio institucional contra o sexo feminino e tudo o que a ele é associado, como, por exemplo, a feminilidade. Um exemplo: no Nordeste é um elogio dizer para uma mulher que "ela é mais macho que muito homem", tem até letra de música famosa com essa expressão, contudo...

História do adultério: modelos de comportamentos sexistas com dupla moral

Belmiro de Almeida - Arrufos, 1887 A história do adultério é a história da duplicidade de um modelo de comportamento social machista, possuidor de uma moral dupla, segundo a qual os homens, desde quase todas as sociedades antigas, tinham suas ligações extraconjugais toleradas, vistas como pecados veniais, sendo assim suas esposas deveriam encará-las como "pecados livres", que mereciam perdão, pois não era o adultério masculino visto como um pecado muito grave (a não ser que a amante fosse uma mulher casada), enquanto as ligações-extraconjugais femininas estavam ligadas a pecados e a delitos graves que mereciam punições, pois elas não só manchavam a honra e reputação da mulher adúltera, mas também expunham ao ridículo e ao desprezível seu marido, o qual tinha a validação de sua honra e masculinidade postas em jogo. Esse padrão social duplo do adultério teve sua origem nas culturas camponesas "juntamente com a crença de que o homem era o provedor da família e era ...

Afinal, o que é feminismo interseccional?

Feminismo, de forma genérica, é um movimento sociopolítico que busca uma sociedade livre do patriarcado, entendido aqui como o sistema de dominação-exploração da mulher pelo homem. Com o fim do patriarcado, espera-se, sobretudo, que as mulheres não sofram mais com a opressão de gênero, que as relações sociais entre homens e mulheres não sejam tão assimétricas e que as mulheres sejam ensinadas a se empoderarem, não a se alienaram diante de seu gênero. Todavia, apesar de "feminismo" ser geralmente usado no singular, a ideia que ele contempla deve ser vista no plural, pois não existe "um feminismo", mas feminismos ou movimentos feministas, heterogêneos, plurais e com suas próprias formas de articulação e promoção de pautas a respeito dos direitos das mulheres, o que fica evidente com as suas mais variadas vertentes.  O feminismo interseccional (ou intersec) é uma das vertentes do movimento feminista. Ele diz respeito as intersecções ou recortes de opressõ...