O que é feminismo? Pelo que o feminismo luta? Feminismo é o contrário de machismo? O que é machismo? Por que a palavra feminismo é tão marginalizada? Quem pode ser feminista? O que é pró-feminista?
Essas são algumas das perguntas mais
frequentes que mulheres iniciantes no movimento feminista ou que estão
começando a ter contato com o feminismo me fazem. Para quem já milita há
algum tempo, tais perguntas podem parecer "simples" ou mesmo
"bobas", mas para quem não teve a oportunidade de conhecer de forma
legítima o movimento, as respostas bem elaboradas para elas são essenciais e em
muito vão influenciar na escolha e empatia pelo feminismo de quem as fez.
Parodiando Simone de Beauvoir, eu costumo dizer que ninguém nasce feminista:
torna-se. Ninguém nasce sabendo o que é feminismo: aprende-se o que é feminismo. Pensando
nisso, resolvi fazer esse texto, no qual dissertarei sobre essas dúvidas mais
frequentes, procurando respondê-las de forma didática.
Antes mesmo de apresentar uma definição de
feminismo, me atrevo logo a afirmar: feminismo não é o contrário de machismo. O
feminismo liberta as mulheres. O machismo oprime as mulheres. O feminismo salva
as mulheres. O machismo mata mulheres todos os dias. O feminismo empodera as
mulheres: mostra-lhes que elas são capazes de ter o poder sobre elas mesmas,
sobre suas vidas, sobre suas escolhas. O machismo subordina as mulheres ao
homem: diz-lhe que elas devem obedecê-los, pois elas são inferiores a eles, não
são mulheres-seres humanos, mas mulheres-apêndices-masculinos.
O machismo ou os homens/machistas matam
mulheres (só por serem mulheres) todos os dias, em qualquer lugar do mundo.
Independente da idade, da raça/etnia, da orientação sexual e da classe social,
toda mulher está sujeita a sofrer com o machismo, pois ele é o pilar de um
sistema social, culturalmente legitimado, de opressão, que é o patriarcado:
sistema de dominação-exploração da mulher pelo homem (SAFFIOTI, 1987, p. 50).
Nesse sistema de opressão de gênero, os homens/cisgêneros (pessoas que quando
nasceram foram designadas como sendo homens e que se identificam como homens)
detém o poder nas relações sociais assimétricas entre os gêneros (isto é, nas
relações hierárquicas entre homens e mulheres na sociedade), o que resulta nos
privilégios que eles têm em várias esferas da vida social, da vida intra ou
extra-doméstica, como por exemplo, pode-se citar o fato de que homens/cis não
sofrem discriminação só por serem homens/cis, ou seja, não sofrem discriminação
de gênero, homens/cis (héteros) não têm sua vida sexual julgada/fiscalizada,
homens/cis não são criados para “servirem suas esposas, cuidar da casa e dos
filhos” como forma de encontrar “a felicidade plena ou se realizarem enquanto
seres humanos”, homens/cis não ganham menos que mulheres na mesma profissão,
com mesma carga horária de trabalho e qualificação profissional etc. Porém, com
as mulheres isso acontece.
A discriminação contra a mulher não se manifesta somente nas imposições de
papéis de gênero e no mercado de trabalho. E a violência sofrida não é só
simbólica/material/financeira. Somente no Brasil, segundo o Mapa da Violência
Contra a Mulher (2015), um estudo, realizado pela Flacso Brasil, aponta um
aumento de 21% no número de feminicídios (nome dado a morte/assassinato de
mulheres que morrem só por serem mulheres) no país, entre 2003 e 2013, quando
13 mulheres foram mortas por dia no Brasil. Neste mesmo período, os homicídios
contra mulheres negras aumentaram em 54% – passando de 1.864 mulheres
negras mortas em 2003, para 2.875 mulheres negras mortas em 2013 – enquanto os
homicídios de mulheres brancas diminuíram – de 1.747 mulheres brancas mortas em
2003, para 1.576 mulheres brancas mortas em 2013, o que ainda é um número alarmante,
considerando que foram mortas por questões de gênero: por serem mulheres. Isso
é resultante da aliança do machismo com outro pilar do patriarcado: a
misoginia: ódio, desprezo, discriminação, ao gênero feminino ou a
características a ele que são associadas.
A Agência Patrícia Galvão disponibilizou,
recentemente, um "Cronômetro da violência no Brasil" (dossiê) que
destaca, entre diversos temas, números sobre agressões, estupros, assassinatos
e feminicídios, ou seja, aponta para um cronômetro em específico, o qual
revela, em dados, as violências sofridas pelas mulheres. Segundo as pesquisas,
no Brasil, ocorrem 5 espancamentos de mulheres a cada dois minutos (Fundação
Perseu Abramo/2010), 1 estupro (relatado) a cada 11 minutos (9º Anuário da
Segurança Pública/2015), 1 feminicídio a cada 90 minutos (Violência contra a
Mulher: feminicídios no Brasil/IPEA/2013), 179 relatos de agressão por dia
(Balanço Ligue 180 – Central de Atendimento a Mulher/jan-jun-2015), 43 mil
mulheres assassinadas (como consequência da discriminação de gênero) em 10
anos, 41% em casa (Mapa da Violência/2012).
DESENHADO |
O feminismo ou movimento feminista, diante
desse quadro, consiste em movimentos articulados, originalmente
liderados/protagonizados por mulheres feministas (contudo, atualmente, com a
ampliação dos estudos de gênero, já existem vertentes que acolhem homens trans
e pessoas não-binárias com liderança em suas pautas, como, por exemplo, a
interseccional), que objetivam livrar a sociedade do machismo, isto é, que
buscam uma sociedade em que o gênero não conceda privilégios a indivíduos em
detrimento da opressão de outros.
E os homens/cis que procuram desconstruir
seu machismo e que desejam apoiar o feminismo, são feministas? Não.
Homens/cis que apoiam o feminismo devem ser chamados de pró-feministas. O
prefixo "pró" designa o papel do homem/cis na causa: o de apoiar o
movimento, não liderá-lo, protagonizá-lo, o que deve ser prioridade de
quem sofre com o patriarcado, ou seja, mulheres, homens/trans e pessoas trans
não-binárias (apesar de todos estes sofrerem com o patriarcado, o grupo que
mais acentuadamente é explorado é o das mulheres, cis ou trans, por isso
geralmente dão mais visibilidade a elas). Lugar de fala e
protagonismo são importantes porque a voz da mulher já é silenciada na
sociedade em geral por causa do
androcentrismo, comportamento machista que hiper-valoriza a visão de
mundo masculina, logo no feminismo a mulher deve encontrar espaços que
deem a ela prioridade de fala e visibilidade.
Apesar de apresentar o feminino como um termo singular, as manifestações dele
devem ser entendidas no plural, pois na verdade existem feminismos, vertentes
feministas, as quais são lideradas e pautadas de acordo com os interesses
principais de cada núcleo feminista. A explicação sobre as vertentes ficará
para outro post. Contudo, de modo geral, com raras exceções, as feministas
procuram mostrar as mulheres que a forma como elas são/foram ensinadas, desde
crianças, a verem o mundo, de modo a reproduzir (e a aceitar como algo
“normal”) o machismo, é problemática, as prejudica e não são fatos naturais,
mas construídos socialmente, logo podem ser superados, ou seja, desconstruídos.
Portanto, o feminismo busca mostrar as mulheres que elas não devem ser
submissas, que o lugar delas é onde elas quiserem; que elas nunca terão culpa
se sofrerem abuso sexual; que elas não merecem ganhar menos que homens/cis com
mesma qualificação, profissão e carga horária de trabalho que eles; que as
mulheres não são inimigas/rivais por natureza; que elas não são vaginas/úteros/
ambulantes (e que não é um órgão genital ou aparelho reprodutor que as definem
mulheres), que a vida delas não gira em torno de agradar aos homens
(androcentrismo); que serviço doméstico não é “coisa de mulher”; que a vida
delas, incluindo a forma como elas lidam com sua sexualidade e a expressam, só
dizem respeito a elas; que ser mãe deve ser uma escolha, não uma obrigação para
cumprir convenções sociais, enfim, o feminismo visa conscientizar as mulheres a
verem que opressão de gênero existe, e que precisa ser combatida (o que está
sendo).
Existem, ainda, em vertentes trans-inclusivas, pautas específicas voltadas aos
homens transsexuais e pessoas trans não-binárias, considerando-se que
essas pessoas também sofrem com a opressão de gênero e que transfobia
(discriminação contra pessoas trans, uma das manifestações da opressão de
gênero), cissexismo ou cisnormatividade (comportamento social que normatiza e
universaliza a condição cisgênera de gênero em detrimento da deslegitimação da
condição transgênera de gênero) e binarismo (comportamento social que só
legitima os gêneros binários: só homem x só mulher) são raízes que, além do
machismo, misoginia, androcentrismo/falocentrismo, estruturam a opressão de
gênero.
O feminismo ainda
é muito estigmatizado/rejeitado socialmente porque ele luta pela mudança do
status quo social, o que consequentemente altera padrões sociais
institucionalizados, como o da dominação masculina, do homem/cisgênero, o qual
mantém historicamente o poder na estrutura opressora de gênero. Exatamente por
isso, o feminismo ainda é muito “sabotado” pela grande massa, porque quem ocupa
o poder no sistema, não quer abrir mão dele (logo também dos seus privilégios),
assim discursos como “feminismo é desnecessário”, “feministas querem
privilégios/superioridade”, feministas são mulheres “mal comidas”, "feministas
são misândricas, odeiam homens" entre outros, são bastante reproduzidos
para passarem uma imagem negativa do movimento. Daí a palavra feminismo ou
feminista ainda ser tão estigmatizada.
Mulheres são institucionalmente odiadas,
por isso feministas são odiadas. Feministas são acusadas de misândricas NÃO
porque estão perdendo tempo liderando movimentos para oprimir homens, mas
porque fazem parte de movimentos que visam desinstitucionalizar o ódio contra
as mulheres na sociedade. Pois sistema de ódio institucionalizado socialmente
contra macho só existe nos dicionários (chulas) da vida.
REFERÊNCIAS
SAFFIOTI, H. I. B. O
poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987.
http://oglobo.globo.com/economia/mulheres-ganham-hoje-que-homens-ganhavam-em-2006-18087669
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/13/politica/1447423205_196245.html
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf
https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/dossie-divulga-cronometro-da-violencia-contra-as-mulheres-no-brasil/
http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/
Lizandra Souza.
ISTO!
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